sábado, 31 de janeiro de 2015

Quotas leiteiras em Esposende

O mês de Março aproxima-se e uma revolução silenciosa está iminente na indústria agrícola. Falo do fim das quota leiteiras a nível europeu.

As quotas leiteiras impostas pela União Europeia serviram para moderar a produção de leite em cada um dos países, para que todos os intervenientes de cada país da indústria leiteira, dos produtores às empresas transformadoras, não sofressem o ataque dos seus congéneres europeus, visto que as disparidades na produção eram gritantes.  

Quando um país ultrapassava a sua quota era multado e isso refletia-se nos seus produtores, o que serviu para salvaguardar a indústria leiteira portuguesa, entre outras, de serem engolidas por potentados como Bélgica, Holanda, Alemanha, Polónia, Itália ou por outros.

Portugal, tendo sido um país de agricultores, não foi um país de agricultura e esses números na indústria leiteira são muito evidentes já que olhando para a quantidade de leite de vaca recolhido Portugal fica em 15º lugar na Europa dos 28, ficando atrás de países como Bélgica e República Checa,  e estando ao mesmo nível de Hungria e Lituânia. Em termos de preço pago ao produtor, Portugal situa-se na média europeia mas os custos de produção são mais elevados que a média europeia, logo o ganho efetivo tende  a ser mais baixo que a média europeia.
O grande fator para isto, na minha opinião, é o ordenamento do território agrícola.  Os nossos terrenos são demasiado dividos, onde na Polónia está 1 terreno em Portugal nessa mesma área estão 10, onde na Polónia apenas 1 trator é necessário para trabalhar o terreno em Portugal existem 10, onde na Polónia existe apenas 1 agricultor em Portugal existem 10 para dividir o lucro do que sai do terreno.  Além desta parcelização do terreno existem fatores naturais, como a quase inexistência de grandes extensões de terrenos que permitam aos animais de alimentarem apenas de erva que cresce por natureza, ou seja, enquanto o agricultor na Polónia precisa, valor imaginário, de 1 € para alimentar os seus animais o agricultor em Portugal precisa de 4€.

Ainda a prejudicar mais o panorama, o nosso mercado nacional está muito orientado para artigos de longa-duração,de prazos de validade elevados como o leite UHT,queijo flamengo e iogurtes líquidos, o que permite a fornecedores na Polónia enviar os seus produtos para Portugal sem que ele se estrague. No caso do Reino Unido, por exemplo, o leite “fresco” domina o mercado e tendo um prazo de validade de 4 dia faz com que se o produto sair da Polónia na segunda-feira só está nas prateleiras na quarta-feira e quinta já acabou a validade, logo pouco interessante para o consumidor
As culpas, na minha opinião, para este panorama a nível português são para todos os intervenientes na agricultura, desde o Governo às empresas de transformação, passando por Cooperativas, produtores, retalhistas, grossistas, comerciantes, mas não posso realçar que se hoje estamos neste ponto, muito o devemos a António Barreto e à sua “Lei Barreto” que ao renegar a coletivização dos terrenos no Alentejo e no Ribatejo matou à nascença uma agricultura de escala e deu o mote para a tribalização dos nossos terrenos e dos nossos recursos.  Em 20 anos Portugal perdeu 90% dos seus produtores de leite, mas aumentou a sua produção, porque quem trabalha faz-lo em maior escala. Poderíamos ter feito este percurso à 40 e hoje estaríamos num outro patamar e isso António Barreto não o pode negar.
Se ele me estiver a ler, daqui lhe digo: Enganou-se, devíamos ter cultivado o Alentejo de cima a baixo sim senhora.

No concelho de Esposende contamos com cerca de 54 produtores de leite, segundo dados da Anabel, não sendo um valor extraordinário  é um valor que já nos coloca à frente de concelhos como Chaves, Viana do Castelo, Braga, Guimarães, Aveiro, Santarém, Vila Nova de Gaia.

Em termos médios, e aqui falo de números aproximados e médios porque o preço da matéria não é constante durante o ano, por isso é natural que não sejam estes os valores de 2014, o concelho de Esposende produziu cerca de 12 milhões de litros de leite, o que pago a cerca de 0,27€ o litro de leite  representou um encaixe de 3 milhões de euros para a economia do concelho. Com o término das quotas e a consequente redução de preço, que ficará na melhor das hipóteses a 0,03€ por litro, isso significa que para este ano a economia do concelho perde cerca de 200 mil euros . Em cenários mais pessimistas poderemos estar a falar de 400 mil euros em perdas. Se existir um abandono mais generalizado dos produtores, os valores ainda serão mais gravosos.
Sem os produtores de leite não existe venda de rações, máquinas, gasóleo, animais, instalações, produtos químicos de limpeza, veterinários, compra de terrenos agrícolas para exploração, etc. É todo um mundo de negócios que desaparece. Isto são mais do que motivos e números para que as nossas autoridades locais, desde a Câmara Municipal, Cooperativa Agrícola , Associações Comerciais, olhem para os produtores de leite e para esta situação com preocupação e com celeridade na resposta. Algo terá de ser feito, desde o aproveitamento do que é aqui produzido até à reformulação da forma como o estamos a produzir e dos custos que isso representa para os agricultores em si.
Desconheço, por ignorância ou por falta de atenção, se existe algum plano de acção, algum acompanhamento desta situação, se alguém já ouviu os agricultores, se já algo foi feito.

sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

Esposendenses pelo Mundo (5)

O «Esposendenses pelo Mundo» regressa, em 2015, com nova série de entrevistas a esposendenses que têm dado cartas pelos quatro cantos do mundo.

Iniciamos hoje a segunda temporada com o Luís Loureiro, 25 anos, natural de Gandra, médico e que reside em Edimburgo, Escócia, onde trabalha.

Na capital mundial do whisky, do monstro de Loch Ness e onde os homens vestem kilts e tocam gaita-de-foles, fomos falar com este jovem esposendense espalhado pelo mundo, e conhecer um pouco da sua história e das suas impressões sobre a Escócia e Portugal, nunca esquecendo, claro está, a terra que o viu nascer e crescer.

Imagem: Luís Loureiro, Escócia

Luís, há quanto tempo vives na Escócia?

Há 6 anos. Estive primeiro em Aberdeen, e no verão passado mudei-me para Edimburgo.

Qual foi a primeira coisa que te impressionou na Escócia ao cabo dos primeiros dias?

O início do meu curso parece um bocado perdido na minha memória não porque tenha sido há muito tempo, mas porque foi mesmo muito atribulado e com muito para fazer!
Mas lembro-me de ficar surpreendido com a cultura do álcool na Escócia. Bebe-se muito e muito rápido. E o que acontece volta para assombrar no Facebook, claro.
Também não esperava ver um país tão polarizado a nível religioso. Em Portugal o catolicismo é tão prevalente que as pessoas não fazem questão de serem obviamente identificadas como católicas, mas como há vários ramos da cristandade bem representados na Escócia, muitos jovens são bastante óbvios quanto a serem protestantes, evangélicos, etc.

Os escoceses são conhecidos por terem uma pronúncia muito cerrada. Deu-te muita luta entranhares o sotaque deles, sobretudo nos primeiros tempos de aulas?

Não propriamente, mas a costa Este tem sotaques muito mais suaves (e estudei no Colégio Inglês no Porto tínhamos professores de várias partes do Reino Unido). Não posso dizer o mesmo dos sotaques da costa Oeste. 
A minha irmã vive em Glasgow e queixa-se de vez em quando do quão difícil é percebê-los.

Antes de Edimburgo, viveste em Aberdeen. Outra cidade muito conhecida em Portugal é Glasgow. São cidades muito diferentes entre si?

Absolutamente. A diferença principal é entre Glasgow e Edimburgo. 
Glasgow era uma das capitais industriais do Reino Unido, e isso nota-se na escala de tudo. O centro é construído em forma de grelha, e por isso tem um ar um bocado americano. Parece uma cidade mais jovem.
Edimburgo é uma cidade muito mais antiga, e está dividida entre Old Town, que é medieval, de ruas tortuosas, e New Town, que é uma área de casas sofisticadas do século XVIII. Faz-me lembrar de partes de Paris, na delicadeza da arquitetura, e também a chamam de a Atenas do Norte pelos edifícios Neo-clássicos.
(St. Marys Cathedral, Edimburgo - foto Luís Loureiro)

Aberdeen é muito mais sombria, e também mais pequena. Quase tudo é construído em granito, e como fica no Mar do Norte é bastante frio e ventoso. Mas a parte antiga da cidade, incluindo a universidade, é lindíssima, com pequenos jardins, capelas e também uma catedral com teto em traves de madeira. O centro é mais genérico. Nota-se o dinheiro que chega à cidade por causa do petróleo, porque há carros desportivos por todo o lado.

Agora em Edimburgo, estás a fazer o internato de primeiro ano, em Urologia. Sendo filho de pais médicos, notas muitas diferenças entre o sistema de saúde escocês e o português?

São sistemas semelhantes, com a salvaguarda que na Escócia acesso a cuidados de saúde e medicamentos são sempre gratuitos (mas pagos por impostos). 
Acho que é razoável dizer que a nível de medicina familiar e de urgências hospitalares, o sistema no Reino Unido está sobre mais pressão do que em Portugal. A consulta média cá demora 10 minutos ou menos, e fala-se de uma crise de serviços de urgência, até com médicos a desistir por stress. Não planeio fazer especialização em urgências!

A Escócia foi protagonista, no ano passado, de um referendo histórico que dividiu paixões no país e, sobretudo, no Reino Unido. Como é que viste a questão da independência e o seu debate e, na tua opinião, a votação final (em que ganhou o «não») é a que serve melhor os interesses dos escoceses?

Esta é uma questão ainda muito controversa por cá, porque o país ficou quase dividido a meio, e não acho que a questão esteja resolvida de todo. 
(Uma manifestação pro-independência - foto Luís Loureiro)

Votei «Sim» à independência porque acho que o sistema político do Reino Unido não só está desligado do tom político na Escócia, como está numa missão para ir na direção oposta. 
Espero que seja possível continuar numa situação em que a Escócia consegue fazer aquilo em que acredita, e o resto do país também, mas depois de ver a paixão e emoção em manifestações em Glasgow no dia antes da votação, tenho as minhas dúvidas que tanta gente vá esquecer isto tão facilmente.

Como é que caracterizas o típico «escocês», desde o colega de trabalho, passando pela pessoa que te atende num café ou serviço público?

Na generalidade, são pessoas com um sentido de praticalidade muito forte. Se algo pode acontecer nos próximos 5 minutos, vai acontecer. 
São pessoas genuinamente simpáticas também, e as gerações mais novas são bastante sociáveis, o que é um pouco diferente do estereótipo dos vizinhos a sul.

Como é que se ocupam os tempos livres na Escócia?

Há imensos castelos, lagos, e montanhas para visitar. 
Para quem gosta de whisky ou de cerveja (morna, chamada ale, e não a cerveja fria, ou lager, que temos em Portugal) há imensos pubs para explorar. 

(Café português em Edimburgo, chamado Casa Amiga - foto Luís Loureiro, segundo o qual «Talvez difícil de ver nesta imagem, mas havia desde Super Bock até café Delta e arroz Cigala»).

Em Edimburgo e Glasgow não há falta de museus e galerias para ir visitar.

Já tiveste oportunidade de assistir a um Celtic x Glasgow Rangers?

Ainda não, e como não sou grande fã de futebol, não me estou a ver a fazê-lo em breve!

Quais são as principais diferenças que notas entre Portugal e a Escócia?

Portugal oferece uma beleza arquitetónica e natural imensa, e tem um clima fenomenal. Mesmo no Inverno o clima permite sempre algum relaxamento. 
A vida na Escócia é muito mais apressada, quase a ponto de parecer haver menos horas no dia. E no Inverno como os dias são muito curtos quase que não se vê o sol. 
Também me parece haver uma cultura de coesão familiar mais forte em Portugal. A Escócia é certamente um país mais afluente, particularmente com o petróleo, mas onde há privação e pobreza esta é um pouco mais marcada porque não há uma rede familiar tão forte para dar ajuda.

Que visão têm os escoceses sobre Portugal e os portugueses?

Para ser perfeitamente honesto, não há uma imagem forte de Portugal por cá
É visto como um destino de férias e a maioria dos Escoceses, certamente, sabe que o clima é bastante agradável. 
Todos os que já visitaram Portugal fazem questão de dizer que adoraram.

Como é que se olha para Esposende a partir da Escócia? 

Quando vivia em Esposende acho que via o sítio como um bocado isolado, pequeno e aborrecido, mas certamente mudei de opinião. Certamente comparada com as cidadezinhas e vilas da Escócia, Esposende tem muito a mostrar
Em quantos sítios se pode olhar para um lado e ver um estuário, o mar do outro lado, e olhando para trás ver uma montanha e floresta? 
Esposende é um sítio genuinamente bonito, e com um ambiente muito relaxado. Sinto que tive sorte em ter crescido aí.

À sua escala, que prática (s)/medida (s) de bom que encontras na Escócia, com base nos lugares onde viveste e que achas que poderia muito bem vir a ser aplicada em Esposende, à sua dimensão?

Na medida de cidades do mesmo tamanho, Esposende tem talvez mais a ensinar a cidades semelhantes na Escócia do que o contrário. 
Acho que é um sítio muito dinâmico e com uma boa agenda cultural para o tamanho que tem. 
A vida noturna e lazer também são melhores do que seria de esperar para uma cidade pequena. A única coisa que faltava mesmo era uma ligação de comboio para o Porto.

A Escócia é um país com paisagens fantásticas e que figura no imaginário de muita gente. Para um Esposendense que planeasse conhecer o país, que lugares é que, na tua opinião, não pode perder?

Edimburgo e Glasgow são os lugares a visitar, sem dúvida, e como ficam a menos de uma hora de distância no comboio, seria uma visita compacta. 
Em Edimburgo, vale a pena visitar o castelo, que tem vistas lindíssimas para a cidade, e também New Town e o West End, pelos restaurantes e pelas lojas. 
O centro de Glasgow tem lojas espetaculares, e a universidade tem museus e edifícios que vale a pena visitar. 
Fora destas duas cidades (a área chamada The Central Belt), recomendava Inverness, que é a capital das Highlands. É uma cidade pequena, mas com muito charme, e fica a meia hora do Loch Ness, que também se deve visitar, não por razões místicas, mas porque é deslumbrante e há um castelo fabuloso na margem.

Luís, uma das tuas paixões é a sétima arte, onde te dedicaste ao ofício de realizador. Agora com a especialidade, ainda sobra tempo para esse hobby ou é actividade adiada mas não esquecida?

Diria que é uma atividade adiada, provavelmente. Não tenho tido tanto tempo, mas continuo a tentar encontrar a inspiração e oportunidade para escrever. Talvez em breve um desses guiões seja para filmar!

Em 2011 tiveste oportunidade de exibir, no Auditório Municipal de Esposende, algumas curtas-metragens tuas, inseridas no âmbito de uma sessão cujas receitas reverteram a favor da Associação de  Amigos dos Doentes com Paramiloidose. Mais do que voltar a exibir em Esposende, está no teu horizonte realizar uma curta-metragem sobre Esposende?

Não sei se seria sobre Esposende, mas em Esposende certamente. Algumas das minhas melhores memórias do últimos anos foram enquanto estive em filmagens por aí. 
Um dos sítios onde já filmei várias vezes é um pedaço de estrada cortada entre Esposende e Fão. É um sítio tão desolado, mas com uma beleza tão estranha. 
Um sítio que gostava de usar num filme é o Castro de São Lourenço. Adoro as ruínas e a vista que se tem sobre Esposende a partir da capela. Usei uma parte muito pequena das ruínas num dos meus filmes mais recentes, mas gostava muito de fazer algo mais elaborado naquele sítio.

Ao voltar a Esposende qual é aquele lugar a que apetece sempre voltar?

Sem querer fazer muita publicidade, tento sempre passar pelo Lótus (sou fã de gin tónico), e também me perco com os bolos e salgadinhos do De Lili. 
A marginal e o Castro de São Lourenço são os meus sítios favoritos para matar algumas saudades do espírito esposendense.


Esposendenses pelo Mundo” é uma rubrica que pretende dar a conhecer os “esposendenses” espalhados pelos 4 cantos do mundo, partilhando as suas impressões sobre os novos lugares que habitam, os povos e culturas com quem convivem, e o seu olhar sobre a terra que os viu nascer e crescer.
Se conheces algum “esposendense” espalhado pelo mundo, ou se és tu próprio um “esposendense” espalhado pelo mundo, e gostasses de ver a sua/tua história aqui partilhada, escreve para largodospeixinhos@gmail.com, com indicação do nome, país e contacto de e-mail ou FB.