Dário Ferreira de Jesus, 29 anos, natural de
Fão, é biólogo e reside em Boston, Estados Unidos, onde trabalha na
prestigiada universidade de Harvard.
Em terras do Tio Sam, na cidade onde residem os Boston Celtics e os New England
Patriots, fomos falar com este jovem esposendense espalhado pelo mundo, e
conhecer um pouco da sua história e das suas impressões sobre os Estados Unidos
e Portugal, nunca esquecendo, claro está, a terra que o viu nascer e crescer.
Imagem: Dário Ferreira de Jesus, Los Angeles
Há quanto tempo vives nos Estados Unidos?
Estive
aqui durante um ano, entre 2010 e 2011, a fazer a parte experimental do meu
mestrado. Voltei para Portugal e depois, em Janeiro de 2013, regressei a Boston
para o meu doutoramento.
Qual foi a primeira coisa que te impressionou em Boston
ao cabo dos primeiros dias?
A primeira das primeiras foi a simpatia das pessoas
mais velhas.
Para exemplificar basta falar das primeiras 2 horas
do meu primeiro dia de trabalho, em que resolvi caminhar uns 40 minutos até ao
meu Instituto e, como normalmente acontece, perdi-me. Mal tenho o mapa na mão e
coloco os meus olhos no horizonte uma senhora, fazendo o seu “jogging” matinal,
pára e imediatamente pega no seu “iphone” e pergunta-me para onde quero ir. Imediatamente
a seguir, enquanto esperava para atravessar um cruzamento, uma senhora começa a
falar comigo do jogo da última noite dos Boston Red Sox.
E os exemplos continuam
como as conversas de elevador e os pequenos diálogos quando vamos simplesmente
buscar um café.
Quando pensamos na América, pensamos em “sonho americano”
e “terra com oportunidades para todos”. Sentes que essa fama dos EUA mantém,
nos dias de hoje, o seu proveito?
Eu cresci a ouvir histórias contadas pela minha mãe
das façanhas do meu avô no período antes 25 de Abril. Histórias da
clandestinidade, da distribuição de panfletos ilegais nas madrugadas do 1 de
Maio, das fugas para Espanha e do contrabando e, como tal, os Estados Unidos
chocam com muitos dos meus ideais, especialmente no que respeita ao direito à educação e saúde
tendencialmente gratuitas.
Contudo, ainda não descobri outro país no Mundo em que a cultura do mérito
esteja tão enraizada nas estruturas organizacionais públicas e privadas como
neste. Aqui a cultura da “cunha” e dos cartões partidários é condenada e
muito mal vista.
Portanto, através do trabalho pelo trabalho é
possível a qualquer um progredir, fazendo com que o “sonho americano”, cunhado
pelo James Truslow Adams, continue a ser uma realidade, ainda que sem a pujança
de outras décadas.
Estás a trabalhar na Harvard Medical School, uma
faculdade de excelência a nível mundial e bastante prestigiante, e que qualquer
jovem estudante universitário associa como o topo das universidades. Como é que
é ser investigador em Harvard?
O primeiro impulso leva-me a responder que ser
investigador em Harvard é idêntico a ser investigador na UTAD, UP, UA ou em
outras tantas Universidades Portuguesas, com a diferença de aqui existem todas
as condições materiais e humanas para se realizar a melhor investigação do
Mundo.
Numa resposta mais ponderada diria que ser investigador em Harvard é
trabalhar num ambiente de competição desmedida, com um ritmo frenético, sem
horário de saída nem descansos semanais. Pautado pela multiculturalidade e numa
disciplina de “fishing” científico em contraste à ciência orientada para
responder a hipóteses.
Estás neste momento a fazer o doutoramento, fazendo
investigação na área da diabetes.
Sim, estou no programa doutoral da Universidade do
Porto – GABBA mas a fazer a parte experimental nos EUA, e tecnicamente deverei
terminar em 2015.
Estou envolvido em diferentes projectos mas o principal
foca-se na forma como pais e mães diabéticos transmitem a predisposição para o
desenvolvimento da doença aos seus filhos.
A diabetes está a crescer exponencialmente e
Portugal, com uma prevalência de diabéticos diagnosticados a rondar os 7% e de
não diagnosticados os 5%, não é excepção.
É uma doença complexa e de grande componente
genética, contudo, na última década tem crescido o interesse em outra área – a epigenética.
E a epigenética não estuda alterações dos genes (os blocos que constituem o
nosso ADN) per se mas sim
modificações químicas que esses genes sofrem e que alteram a forma como eles
são expressos e transmitidos de geração em geração.
Portugal, é um desafio profissional a médio/longo prazo,
ou as tuas expectativas profissionais passam por continuar nos EUA ou noutro
país de forte tradição na tua área?
As oportunidades em Portugal são escassas e hoje em
dia aqueles que as agarram são principalmente investigadores com um curriculum
extraordinário, ou, felizmente cada vez em menor número, com um factor “C”.
Portanto, preciso de enriquecer o meu CV e quero terminar o meu doutoramento
nos EUA e de seguida realizar um pós-doutoramento num país europeu onde
existam boas condições para se fazer ciência como Inglaterra, Alemanha, Suíça
ou Suécia, com o objectivo final de devolver ao meu país o investimento que ele
fez na minha educação a médio/longo prazo.
Quais são as principais diferenças que notas entre
Portugal e os Estados Unidos?
As diferenças são muitas e é um exercício bem
complicado referi-las.
Contudo, a diferença que salientaria é o patriotismo. É certo que o patriotismo é uma coisa desmedida neste país e exemplo disso é o facto de, muito provavelmente, se cantar o hino antes de um jogo de berlinde, mas gostava de ver Portugal um pouco mais patriótico e com confiança em si. Quem vai alguma vez esquecer aquele ambiente que se viveu no Euro 2004? Acho saudável.
Imagem: Baixa de Boston
Como é que caracterizas o típico “americano”?
O típico americano tem 3 a 5 filhos, uma casa com
jardim, dois carros e com isto tudo 3 empréstimos ao banco para pagar.
O carro
da mulher é familiar e o dele é um toyota. O homem trabalha, a mulher fica em
casa. O americano fala alto em público, ri-se de coisas que não têm piada e é
convencido de que sabe.
O americano nascido cá olha para os estrangeiros com
desconfiança, usa meia branca, no Inverno usa coisas da “North Face” e no verão
usa uns calções apertados às cores e sapatos de “bela” (para vos facilitar a
imagem, pensem no “menino tonecas”). Quanto a elas, bom, elas simplesmente usam
“leggings” pretas “push-up” no Verão ou Inverno e são umas histéricas quando
conversam umas com as outras.
Em transportes públicos estão todos com os
“smartphones” nas mãos e de lá não tiram os olhos.
O típico americano só come comida que não é
americana e passa a vida em bares desportivos a ver todo o tipo de desportos
com uma cerveja local na mão.
Por fim, dentro de cada americano vive uma
tia nossa, uma daquelas que não se cala e conta coisas de que não nos interessa
para nada e a quem nós vamos acenando a cabeça.
Ainda há muitos americanos a confundir Portugal com uma
região de Espanha?
Sim, há bastantes americanos que não fazem a mínima
ideia de onde fica Portugal. Mas isso até não acontece muito em Boston. Com efeito, Boston possui mais de 50 Instituições de ensino
superior e, como tal, a sua população é, na generalidade, bem instruída.
O mais
comum é os americanos saberem que Portugal é um país europeu soberano, mas têm bastantes
dúvidas em relação à nossa língua. Alguns pensam que é espanhol. E o mais
frequente é não saberem a magnitude dos falantes de língua Portuguesa, uma vez que muitos pensam que os brasileiros falam espanhol. Mas não os condeno. Os Portugueses
sabem o nome de todos os 50 estados Americanos ou a sua localização? Só para
atravessar os EUA de costa a costa são 6 horas de avião.
Já tiveste oportunidade de fazer a famosa viagem de carro
“costa a costa”? Alguma viagem que tenhas feito nos EUA e gostado
particularmente?
Ainda não tive tempo, mas será realizada.
A coisa mais parecida a isso foi ter voado com amigos para
San Diego e depois seguido de carro para Los Angeles, Las Vegas e, por fim, San
Francisco, ao longo de duas semanas.
Como vês Esposende a partir de Boston?
Uma cidade pequena e calma com o necessário para
viver, criar família e trabalhar nas cidades maiores das redondezas. Gostei de
ver o investimento na marginal e tenho a sensação de cada vez que volto a
Esposende ver mais gente a praticar actividades ao ar livre.
Que medida prática/funcional aí existente achas que
poderia muito bem vir a ser aplicada em Esposende?
Embora a anos-luz de muitos países nórdicos, Boston
tem investido em ciclovias e muita gente utiliza a bicicleta como veículo de
transporte, incluindo eu, portanto as ciclovias deveriam ser alargadas à maioria das freguesias do
concelho de Esposende. E por fim, de uma vez por todas, devia-se andar
com o Parque da cidade para a frente.
Quem visita Boston, que lugar e que prato não pode
perder?
Qualquer pessoa que aprecie minimamente o Outono devia ter a possibilidade de passar um final de tarde no “Boston Common”. Eternizado no filme o Bom Rebelde (“Good Will Hunting”) é um parque absolutamente grandioso. Quem visita Boston não pode perder um “Clam chowder” – uma sopa de ameijoas característica de Boston.
Imagem: Boston Common
Para além da família e amigos, o que sentes mais saudades
de Esposende?
Estranho provavelmente para muitos, aqueles de quem mais senti falta sempre foram os meus cães. Tentei tantas vezes…mas nunca consegui
falar com eles, mas entendíamo-nos bem de qualquer forma. Às vezes tenho mais
dificuldades em conseguir perceber alguns investigadores em Harvard e não é um
problema linguístico.
Tenho uma saudade
danada dos Verões em Fão e das noites do Pacha. E por fim, o pôr-do-sol de
Ofir.
Ao voltar a Esposende
qual o lugar que te apetece sempre voltar?
Naturalmente, à restinga de Ofir.
Esposendenses pelo Mundo” é uma rubrica que pretende dar a conhecer os “esposendenses” espalhados pelos 4 cantos do mundo, partilhando as suas impressões sobre os novos lugares que habitam, os povos e culturas com quem convivem, e o seu olhar sobre a terra que os viu nascer e crescer.
Se conheces algum “esposendense” espalhado pelo mundo, ou se és tu próprio um “esposendense” espalhado pelo mundo, e gostasses de ver a sua/tua história aqui partilhada, escreve para largodospeixinhos@gmail.com, com indicação do nome, país e contacto de e-mail ou FB.
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