segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

As areias da Crimeia...

Chego a Simferopol depois de 2 horas de voo de Moscovo.


Há menos de 1 ano este mesmo aeroporto era palco de uma ação militar pelo proclamado Exército de Salvação da Crimeia, sendo o primeiro ponto a ser conquistado. Hoje parece que nada se passou, tudo corre com normalidade, muitos taxistas à procura de clientes, pessoas a correr, e os voos para Grozny cancelados a provocarem grande alvoroço.
Não tenho roaming no telemóvel, apesar do wi-fi omnipresente, ainda não consigo fazer chamadas internacionais a partir da Crimeia. 
Nas estradas vemos uma grande quantidade de matrículas ucranianas, outras russas, outras que foram alteradas manualmente para terem a bandeira russa e nas bermas muitos dos vendedores de fruta, mel, vinho e camarões ostentam a bandeira russa. Os nomes já são escritos em russo e engenheiros tiram medidas para melhoramentos nas rodovias. 

No caminho para Sevastopol deparo com uma região de vales agradáveis com plantação de vinhas consideráveis, e uma costa marítima muito apetecível para os meses de verão. As vilas por onde passo são saídas diretamente da União Soviética dos anos 70, conservam ainda toda o planeamento e as infraestruturas dessa altura, apenas algumas bombas de gasolina e restaurantes mais recentes alteraram o a paisagem por estas bandas.


Sevastopol.  Uma das principais bases da frota marítima russa está fundeada nesta cidade e nas estradas que nos levam até ela vemos alguns cemitérios de navios de guerra ucranianos, deixados a apodrecer nas margens da baía.
A cidade respira uma aura de verão e militar, com prédios brancos como no Algarve e contingentes de marinheiros fardados em manobras e exercícios pela cidade e a vida aqui corre calma mas com um ritmo constante desde o apressado passo dos condutores ate à elegância das senhoras apressadas que polvilham as ruas com a sua cortante beleza glaciar.
O cacilheiro público leva-nos a dar uma volta panorâmica pela baía e dá-me a oportunidade de conhecer os seus subúrbios e parte da frota que se encontra ali ancorada. Muita gente entra, muita gente sai, 5 minutos de espera e voltamos à cidade. 
Os subúrbios não me parecem bem tratados, tal como as ruas adjacentes as ruas principais ao contrário dos monumentos às vitimas da 2* Guerra Mundial. Existem flores e "caras lavadas" neles, sendo uma cidade com medalha de honra de Lenine temos o monumento da chama eterna ladeado por uma guarda de honra desta vez de jovens que ainda aprendem a marchar mas que ambicionam o primor daqueles que se encontram em Moscovo, tenho a sensação que tudo o que os liga à "Mãe Rússia" ganhou novo ânimo e novo carinho, não se nega o passado soviético tal como o passado ucraniano. 
Sou dos poucos estrangeiros que aqui se encontram mas isso não me traz simpatia ou antipatia acrescida, a vida corre normal para mim.


Simferopol, o epicentro. Aqui foi onde tudo começou e a vida corre normal. A cidade é típica do período estalinista, geométrica, neoclássica, espaçosa fazendo-me lembrar Minsk em muitos aspetos. Mais uma vez os seus subúrbios parecem descuidados. 
Facilmente chego à praça central da cidade. Uma imponente estátua de Lenine encontra-se no seu meio tendo sido das poucas que resistiram à decapitação de outras noutras cidades por toda a Ucrânia aquando da Revolução de Novembro.
Na praça onde há meses milhares arrancavam a bandeira da Ucrânia e hasteavam a bandeira russa sobre o olhar preocupado de toda a Europa, hoje uma carrinha anuncia novas atrações do jardim zoológico. Pelas ruas pedonais que lhe estão subjacentes existe uma calma, um ritmo de vida calmo que não via há muito tempo.
Chego facilmente ao parlamento da Crimeia, onde duas vistosas bandeiras ondulam ao vento e onde alguns turistas da região aproveitam para tirar uma fotografia ao lado dela. Mesmo na sua frente a catedral ortodoxa de Simferopol está em obras de reconstrução profundas e o meu reduzido russo permite perceber que as obras têm o alto patrocínio de Vladimir Putin. Percorrendo mais uns metros pelas ruas carregadas de árvores e cafés chegamos à estação dos comboios.
Pelo caminho passo por um McDonalds encerrado, resultados das sanções aplicadas pelo governo central e mais uma estátua de Lenine aqui encontramos, estando as bandeiras dos regimentos soviéticos que aqui combateram hasteadas, mais uma vez o passado não e renegado.  
Chegado ao aeroporto verifico que apenas existem voos para território russo, não existe Kiev, não existe Londres nem Frankfurt mas Moscovo, São Petersburgo, Krasnodar, assim é a politica e as sanções.
Percebo melhor do que nunca o porquê do desejo de reunificação com a Rússia. A Ucrânia não os tratava bem, as cidades parecem paradas no tempo e parecem subdesenvolvidas mesmo para os parâmetros russos, os transportes públicos são velhos e os subúrbios são pobres, as infraestruturas publicas precisam de forte investimento e se esta era uma das mais desenvolvidas regiões da Ucrânia não quero imaginar o que será o resto.
A reunificação com a Rússia foi o passaporte desta região para alcançar uma vida melhor, uma reunificação com as suas raízes que um erro histórico os separou. Não discuto se os meios justificaram os fins, não tento desculpabilizar um ou outro, apenas digo o que vi.


A vida corre normal, a reunificação está feita.

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