sexta-feira, 10 de abril de 2015

Uma calma descoberta

O Luxemburgo é talvez o mais obscuro e mais desconhecido país da União Europeia e isso aguçou-me o apetite de o conhecer.

É obscuro pelo seu sistema financeiro, sempre muito citado aquando de escândalos de branqueamento de capitais e de deslocação de sedes financeiras, e é obscuro porque quase todos que aqui vêm é apenas por motivos laborais, e é essa a imagem que fica, um país sempre em modo profissional.

O Luxemburgo não prima por uma ostentação da qualidade de vida, não prima por grandes carros a cruzar as suas ruas, nem por restaurantes faustosos ou por eventos mediáticos, mas percebe-se facilmente por que é que é aqui que está o maior poder de compra de toda a UE.

Quando cruzamos as suas pequenas ruas, vemos todas as grandes marcas presentes, não descortinamos casas abandonadas e raros são os pedintes. A presença de transportes públicos faz-se sentir quer com as inúmeras linhas de autocarro, quer com as inúmeras linhas de comboios suburbanos que servem as pequenas localidades do grão-ducado. Aqui vive-se bem.
Mas, acima de tudo, o que fica na cabeça é a calma que a cidade apresenta. Tudo parece ser feito para ser calmo e atempado, previsível e com qualidade. Em muitas coisas faz-me lembrar Esposende. 

Tudo encerra às 23:00 e no domingo os cafés começam a fechar às 17:00, ficando apenas os bares dos hotéis e  o McDonald’s abertos. 

Mas, como em todos os locais com deslocados profissionais, havia uma interessante quantidade de bares e de restaurantes que animavam para o jantar, com diversos grupos de convivas a aproveitarem as promoções e as bebidas a preços razoáveis. Relembro que o Luxemburgo figura no topo em termos de consumo de álcool a nível mundial e agora fiquei a perceber porquê.
O seu turismo parece direccionado para uma clientela calma, mais envelhecida e que procura a qualidade da oferta em detrimento das grandes multidões. Tal como na Suíça, a indústria de turismo luxemburguesa prima por atrair quem vem gastar dinheiro em detrimento do número de visitantes e quer atrair quem quer conservar o que vê, em vez de se adaptar ao gosto de quem os visita. E isso faz muita diferença. 

Se por um lado a zona europeia se destaca claramente, com os edifícios do tribunal de contas europeu, Filarmónica europeia e a Universidade do Luxemburgo a chamarem a atenção, dando uma ambiência cosmopolita à cidade, por outro lado, a menos de 100 metros de distância, temos um bosque junto ao riacho e rodeado de casas datadas dos anos 20 que dão um ar rural àquela zona da cidade, como se estivéssemos em alguma aldeia do Gerês no meio da serra.

Em contra-ciclo com a esmagadora maioria dos meus colegas de filiação política, este tipo de país não me causa tremores e ódios, já que em vez de se construírem arranha-céus, pistas de gelo artificiais e patrocinar eventos desportivos como os novos pináculos da civilização ocidental que florescem na península arábica, apostou-se em subsídios de renda, acesso generalizado ao serviço nacional de saúde e fundos de reforma  para quem contribui. 

No Luxemburgo não existem histórias de salários milionários, de polícia a conduzir Ferraris nem de festas milionárias mas também não existem histórias de bebés prematuros deixados a morrer à porta do hospital porque o seguro dos pais não cobre o tratamento de prematuros, e isso é o que separa uma sociedade dum amontoado de pessoas.
Apesar de relativamente pequeno, o Luxemburgo é do tamanho do concelho de Viana do Castelo, apresenta alguns produtos muito típicos e muito arrigados no seu dia-a-dia como o leite, a carne, a cerveja e o vinho. Para a sua dimensão, a carta de vinhos luxemburgueses é algo impressionante. O país dispõe de uma produção leiteira com elevada qualidade onde o leite biológico é quase norma, as destilarias são endémicas e todos os restaurantes fazem gala na carne de vaca luxemburguesa. Nas suas ruas é possível ouvir uma grande miscelânia de línguas, e toda a gente parece estar em rotação. 

Nas mesas dos restaurantes as conversas são maioritariamente sobre negócios, política, idas e vindas pela Europa e ouve-se falar inglês com sotaque americano, australiano e ainda ouvimos russo amiúde por estas ruas mas também ouvimos muito português. 

Aqui parece que existem 3 grandes classes de emigrantes portugueses, os dos serviços auxiliares, os das financeiras e os políticos. Em todo o lado ouvimos português, muitas vezes já nem era preciso falar em inglês ou francês bastava dizer “Desculpe, mas sabe onde fica?” para termos uma resposta na nossa língua
Estes, segundo os nossos atuais governantes da coligação PSD-CDS e Miguel Relvas, foram os portugueses que saíram da sua zona de conforto e foram procurar novas oportunidades, foram demonstrar a qualidade da mão-de-obra portuguesa além fronteiras, enriquecer o seu conhecimento e aprender novas artes e procedimentos para voltarem com mais capacidades e habilitações para o seu país natal. 

Para mim estes emigrantes são em grande parte os danos colaterais dos pseudo-neo-liberais que tomaram conta dos destinos de Portugal e da sua opinião pública e que revestidos dos seus telemóveis inteligentes, dos seus cursos em gestão e dos seus termos em inglês reciclaram o mote dos anos 30 e 40 da França ocupada onde a emigração era uma exaltação nacional e não uma consequência da submissão à Alemanha em que a França vivia.
Os finlandeses,os noruegueses, os austríacos, os suíços ou os luxemburgueses não precisam de ir para o estrangeiro demonstrar a qualidade da mão-de-obra dos seus países, fazem-no através da excelência dos produtos que fazem nas suas próprias terras.
O Luxemburgo e a sua calma ficaram para trás e fez-se luz sobre mais um obscuro destino.

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