quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

Irão, a calma revolução

Almoçar um cheeseburger e uma Coca-Cola na Mesquita do Ayatollah Khomeini seria algo impensável há alguns anos atrás mas isso já não é o Irão atual.

O Irão é hoje um dos poucos países a nível mundial com  perspetivas de crescimento económico sólidas e constantes nos próximos anos em virtude do levantamento do embargo económico a que o país estava sujeito em função do seu controverso programa nuclear.

Lendo a imprensa financeira iraniana em inglês, sim ela existe, é claro que o ambiente económico fervilha de novas oportunidades: É a Petrobras que vai construir uma nova refinaria no pais, é a Boeing que vai vender 70 aviões para a Iranair, as empresas de transporte de mercadorias holandesas já pedirem licenças de atividade, são as empresas de construção civil alemãs que já montaram gabinetes de orçamentação na capital.

No hotel em que fiquei hospedado foi um corrupio de comitivas oficiais e de ministros, desde alguns comissários europeus que participaram em conversações sobre transportes até ao ministro do comércio da Nova-Zelândia passando por uma comitiva de ministros suecos e polacos até membros da assembleia nacional Indonésia. Só ao 2º dia é que me apercebi que tinha tido estado a tomar o pequeno-almoço com o Ministro da energia brasileira e alguns dos membros da administração da Petrobras ao meu lado e tinha conhecido um "testa-de-ferro" de capitais camaroneses.

Isto demonstra que as expetativas são altas.

Mas também houve presença portuguesa. Num restaurante em Teerão tive um encontro ocasional com um designer português que estava inserido numa comitiva internacional de designers do mobiliário de luxo que preparavam a sua entrada no país já que olhando para Teerão, uma cidade do tamanho geográfico e populacional de Londres, aos já frequentes arranha-céus começam a florescer mais prédios e torres de escritórios o que denota que o clima é de confiança.

Mas os sinais das sanções ainda se verificam.

O sistema bancário iraniano vive numa autêntica "Ilha" onde os cartões de crédito estrangeiros não funcionam com todos os pagamentos, dos hóteis ao visto de entrada, a serem feitos em dinheiro e com dificuldade em trocar dólares.

Nas ruas de Teerão os Peugeot 405 e 206 produzidos na fábrica da Khodro ainda enchem as ruas, sendo francamente estranho estar a andar um carro com a tecnologia de 1988 produzido em 2014. Se não viu um Peugeot 405 é porque não esteve no Irão.

Mas mais do que o clima financeiro otimista o que mais impressiona é a disparidade de realidades nesta cidade.

O Irão continua a ser uma das sociedades islâmicas mais fechadas, apesar de Xiita, sendo ainda proibido a venda de álcool, as mulheres têm de usar véu, o metro e alguns edifícios governamentais têm entrada para homens e outra para mulheres, poucos são os espaços desportivos mistos, os ginásios desportivos ou são para homens ou só para mulheres, não existem pubs, bares ou discotecas.

Ao contrário das nossas sociedades, aqui as lojas de roupa que imperam nas zonas mais caras são as masculinas sendo que em cada 10 lojas de roupa 9,5 são para homem e 8,5 são de confeção de fatos e então se  falarmos de sapatarias a relação deve ser de 10/9,9 e 10/8,9.Mas também existem lojas de lingerie e de roupa feminina, quase sempre atiradas para as periferias da cidade.

Teerão, uma cidade maior que Londres ou Moscovo, morre a partir das 23:30 não havendo atividades licitas a não ser os cinemas a partir dessa hora já que desde a revolução islâmica de 1979 que os espaços de diversão noturna são proibidos pela lei islâmica.

Andando pelas ruas paralelas às ruas principais repara-se que existem atividades que se escondem dos olhares da pouco presente polícia dos costumes, com sons de discoteca abafados a surgir das traseiras de restaurantes e armazéns de expedição e grupos de jovens raparigas a passarem com as suas legins super-apertadas e saltos altos a passarem para estas zonas. Rezam as crónicas que nesta cidade as festas são dadas em casa de alguém que já montou algo semelhante a uma discoteca e que nestes espaços escondidos atrás de um negócio legítimo é onde os véus caem e surgem os vestidos decotados e os saltos-altos e onde a vida noturna corre e até pode ilegalmente existir álcool.

Num dos mais badalados restaurantes de Teerão assisti às jovens que celebravam o aniversário de alguém  impecavelmente vestidas com o último grito das marcas de alta-costura francesa a recolherem a uma zona mais privada para tirarem fotografias sem os véus e os lenços que cobriam as pernas.  

Dizem os entendidos que no Irão se segue a máxima " o que se passa nas 4 paredes fica dentro delas" e isso pareceu-me claramente implementado.

Mas já podemos ver pares de namorados de mãos-dadas na rua e em algumas ruas mais escuras podemos mesmo assistir a um beijo furtivo. Muito longe parecem estar os tempos das mulheres de negro com as imagens de Khomeini a declararem fidelidade eterna à lei islâmica.

A diferença entre as classes ainda é gritante. 

Se na zona norte da cidade temos os ricos da sociedade, onde imperam os desportivos italianos e carros de luxo alemães e as moradias de luxo na zona sul temos as crianças que apanham lixo na rua e os refugiados das guerras que se passam na sua fronteira, Afeganistão, Iraque e Azerbeijão. 

O organizado e limpo metro de Teerão é a loja em movimento para muitos destes habitantes, sendo impossível não apanhar um pelos menos 3 vendedores de qualquer coisa no interior do metro: desde lapiseiras a cadernos de colorir passando pelos cintos e capas para almofadas.

Nos locais de culto religioso é possível ver as os grupos de pessoas que vêm das paragens mais remotas e a diferença para com as populações da cidade é gritante, se de um lado temos pessoas que poderiam passar por habitantes de uma qualquer cidade na Europa por outro temos os pessoas saídas diretamente das tribos que usualmente vemos nos documentários do National Geographic.

Andando pelas ruas ainda muitos são os sinais de animosidade contra os EUA, ainda havendo murais frescos com pinturas evocativas da resistência aos EUA, da sua possível invasão e dos tempos da guerra contra o Iraque. Não nos podemos esquecer que ainda hoje a guerra contra o Iraque é o momento marcante na História moderna neste país, quando a cidade foi bombardeada a partir do Iraque. Essa memória ainda hoje vive no Parque da Guerra Sagrada.

Mas no fim e apesar das grandes diferenças, somos muito parecidos : Passando por um shopping reparo num aglomerado de pessoas que estavam especados a olhar para uma televisão que viam o Barcelona-Real Madrid!

O Irão é uma realidade única e uma realidade de que ouviremos falar nos próximos tempos pelas melhores razões.

Algo me diz.

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