sábado, 10 de maio de 2014

Dunas movediças?

“…Cheia dos maus e bons cheiros
Das casas que têm história,
Cheia da ténue, mas viva, obsidiante memória
De antigas gentes e traças,
Cheia de sol nas vidraças
E de escuro nos recantos,
Cheia de medo e sossego,
De silêncios e de espantos, …”

Toada de Portalegre, José Régio
Existem casas que são novas e que não têm cheiros mas que têm histórias e que encerram medos, silêncios e espantos. Como costumo escrever nestas páginas, Esposende é um local cheio de particularidades  e esta é uma delas.
Falo claramente da casa nas dunas da praia de Esposende-Cepães.
Esta casa não é apenas uma casa, é resultado de tudo o que está mal no poder autárquico, deveria ser uma das vergonhas do executivo que a permitiu e é o exemplo do que uma sociedade anestesiada pode permitir.
Num concelho em que as zonas ambientais protegidas se tornaram sacrossantas e onde qualquer alteração ou possibilidade de alteração do ecosistema se torna motivo de escrutínio severo pelas autoridades competentes torna-se difícil de explicar como se permitem construções nas imediações dessas zonas.
Num concelho que se esforçou por sensibilizar as populações para as dunas e a necessidade imperiosa da sua conservação, onde se ponderou a demolição de algumas das casas que foram construídas em cima destas durante os anos 60, 70 e 80, a explicação de como nasce uma construção no meio delas é algo que carece de motivos muito válidos para a sua aceitação.
Num concelho onde os PDM's nestas zonas ambientais protegidas eram autênticos dogmas católicos, descobrimos que ainda existia um pequeno pedaço de terreno urbanizável numa das mais cobiçadas zonas do distrito, porque não dizer da orla costeira. O facto de este pedaço de terreno ter passado em claro durante anos e anos e anos é algo que poderia significar a enorme incompetência de quem negoceia no imobiliário, mas não me parece.
Mas sejamos claros e concisos nesta questão, porque sei bem que a resposta burocrática me dirá que tudo está correto, tudo está legal, o terreno era legalmente urbanizável porque estava no perímetro urbano, a licença de construção respeita tudo, o proprietário pagou todos os impostos ,etc , etc.  
Claro que estava tudo conforme, não esperaria outra coisa, certo? Mas o que deveria estar em ordem era a ética do executivo camarário.
Mas como é possível que não houvesse por momentos de lucidez que evitasse o executivo de cair no ridículo de construir a 1 metro do painel da área protegida? Como não houve lucidez para evitar aquilo que já se havia tentado evitar há mais de 30 anos, a urbanização daquele local? Como foi possível que a autarquia dissesse que nada poderia fazer já que era permitido construir?
Para quem não se lembra, e aqui vai a nota histórica, aquela zona já havia sido alvo tentativa de urbanização e Losa Faria despoletou o processo para que aqueles terrenos não fossem urbanizáveis. Esse processo levou à criação da APPLE, que fazia a gestão do espaço, e mais tarde do POOC,  o plano para a ordem costeira e que assim retiraram os terrenos da orla da Câmara Municipal ou do PDM comum em 1987. Segundo a Câmara Municipal de Esposende em 2007, 20 anos depois, os terrenos por magia passavam a estar sobre o PDM comum e prontos a serem urbanizádos.  
Por isso, muito se podia ter feito porque muito já havia sido feito. Bastava querer, bastava vontade, bastava engenho e um pouco de inteligência.
Espero que esta casa seja a casa dos medos e dos espantos, o medo de novamente cair no ridículo.

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