sexta-feira, 30 de maio de 2014

Esposendenses pelo Mundo (4)

Dário Ferreira de Jesus, 29 anos, natural de Fão, é biólogo e reside em Boston, Estados Unidos, onde trabalha na prestigiada universidade de Harvard.

Em terras do Tio Sam, na cidade onde residem os Boston Celtics e os New England Patriots, fomos falar com este jovem esposendense espalhado pelo mundo, e conhecer um pouco da sua história e das suas impressões sobre os Estados Unidos e Portugal, nunca esquecendo, claro está, a terra que o viu nascer e crescer.
Imagem: Dário Ferreira de Jesus, Los Angeles

Há quanto tempo vives nos Estados Unidos?

Estive aqui durante um ano, entre 2010 e 2011, a fazer a parte experimental do meu mestrado. Voltei para Portugal e depois, em Janeiro de 2013, regressei a Boston para o meu doutoramento.

Qual foi a primeira coisa que te impressionou em Boston ao cabo dos primeiros dias?

A primeira das primeiras foi a simpatia das pessoas mais velhas.
Para exemplificar basta falar das primeiras 2 horas do meu primeiro dia de trabalho, em que resolvi caminhar uns 40 minutos até ao meu Instituto e, como normalmente acontece, perdi-me. Mal tenho o mapa na mão e coloco os meus olhos no horizonte uma senhora, fazendo o seu “jogging” matinal, pára e imediatamente pega no seu “iphone” e pergunta-me para onde quero ir. Imediatamente a seguir, enquanto esperava para atravessar um cruzamento, uma senhora começa a falar comigo do jogo da última noite dos Boston Red Sox. 
E os exemplos continuam como as conversas de elevador e os pequenos diálogos quando vamos simplesmente buscar um café.

Quando pensamos na América, pensamos em “sonho americano” e “terra com oportunidades para todos”. Sentes que essa fama dos EUA mantém, nos dias de hoje, o seu proveito?

Eu cresci a ouvir histórias contadas pela minha mãe das façanhas do meu avô no período antes 25 de Abril. Histórias da clandestinidade, da distribuição de panfletos ilegais nas madrugadas do 1 de Maio, das fugas para Espanha e do contrabando e, como tal, os Estados Unidos chocam com muitos dos meus ideais, especialmente no que respeita ao direito à educação e saúde tendencialmente gratuitas.
Contudo, ainda não descobri outro país no Mundo em que a cultura do mérito esteja tão enraizada nas estruturas organizacionais públicas e privadas como neste. Aqui a cultura da “cunha” e dos cartões partidários é condenada e muito mal vista.
Portanto, através do trabalho pelo trabalho é possível a qualquer um progredir, fazendo com que o “sonho americano”, cunhado pelo James Truslow Adams, continue a ser uma realidade, ainda que sem a pujança de outras décadas.

Estás a trabalhar na Harvard Medical School, uma faculdade de excelência a nível mundial e bastante prestigiante, e que qualquer jovem estudante universitário associa como o topo das universidades. Como é que é ser investigador em Harvard?

O primeiro impulso leva-me a responder que ser investigador em Harvard é idêntico a ser investigador na UTAD, UP, UA ou em outras tantas Universidades Portuguesas, com a diferença de aqui existem todas as condições materiais e humanas para se realizar a melhor investigação do Mundo.
Numa resposta mais ponderada diria que ser investigador em Harvard é trabalhar num ambiente de competição desmedida, com um ritmo frenético, sem horário de saída nem descansos semanais. Pautado pela multiculturalidade e numa disciplina de “fishing” científico em contraste à ciência orientada para responder a hipóteses.

Estás neste momento a fazer o doutoramento, fazendo investigação na área da diabetes.

Sim, estou no programa doutoral da Universidade do Porto – GABBA mas a fazer a parte experimental nos EUA, e tecnicamente deverei terminar em 2015.
Estou envolvido em diferentes projectos mas o principal foca-se na forma como pais e mães diabéticos transmitem a predisposição para o desenvolvimento da doença aos seus filhos.
A diabetes está a crescer exponencialmente e Portugal, com uma prevalência de diabéticos diagnosticados a rondar os 7% e de não diagnosticados os 5%, não é excepção.
É uma doença complexa e de grande componente genética, contudo, na última década tem crescido o interesse em outra área – a epigenética. E a epigenética não estuda alterações dos genes (os blocos que constituem o nosso ADN) per se mas sim modificações químicas que esses genes sofrem e que alteram a forma como eles são expressos e transmitidos de geração em geração.

Portugal, é um desafio profissional a médio/longo prazo, ou as tuas expectativas profissionais passam por continuar nos EUA ou noutro país de forte tradição na tua área?

As oportunidades em Portugal são escassas e hoje em dia aqueles que as agarram são principalmente investigadores com um curriculum extraordinário, ou, felizmente cada vez em menor número, com um factor “C”. Portanto, preciso de enriquecer o meu CV e quero terminar o meu doutoramento nos EUA e de seguida realizar um pós-doutoramento num país europeu onde existam boas condições para se fazer ciência como Inglaterra, Alemanha, Suíça ou Suécia, com o objectivo final de devolver ao meu país o investimento que ele fez na minha educação a médio/longo prazo.

Quais são as principais diferenças que notas entre Portugal e os Estados Unidos?

As diferenças são muitas e é um exercício bem complicado referi-las.
Contudo, a diferença que salientaria é o patriotismo. É certo que o patriotismo é uma coisa desmedida neste país e exemplo disso é o facto de, muito provavelmente, se cantar o hino antes de um jogo de berlinde, mas gostava de ver Portugal um pouco mais patriótico e com confiança em si. Quem vai alguma vez esquecer aquele ambiente que se viveu no Euro 2004? Acho saudável.
Imagem: Baixa de Boston

Como é que caracterizas o típico “americano”?

O típico americano tem 3 a 5 filhos, uma casa com jardim, dois carros e com isto tudo 3 empréstimos ao banco para pagar. 
O carro da mulher é familiar e o dele é um toyota. O homem trabalha, a mulher fica em casa. O americano fala alto em público, ri-se de coisas que não têm piada e é convencido de que sabe.
O americano nascido cá olha para os estrangeiros com desconfiança, usa meia branca, no Inverno usa coisas da “North Face” e no verão usa uns calções apertados às cores e sapatos de “bela” (para vos facilitar a imagem, pensem no “menino tonecas”). Quanto a elas, bom, elas simplesmente usam “leggings” pretas “push-up” no Verão ou Inverno e são umas histéricas quando conversam umas com as outras.
Em transportes públicos estão todos com os “smartphones” nas mãos e de lá não tiram os olhos. 
O típico americano só come comida que não é americana e passa a vida em bares desportivos a ver todo o tipo de desportos com uma cerveja local na mão
Por fim, dentro de cada americano vive uma tia nossa, uma daquelas que não se cala e conta coisas de que não nos interessa para nada e a quem nós vamos acenando a cabeça.

Ainda há muitos americanos a confundir Portugal com uma região de Espanha?

Sim, há bastantes americanos que não fazem a mínima ideia de onde fica Portugal. Mas isso até não acontece muito em Boston. Com efeito, Boston possui mais de 50 Instituições de ensino superior e, como tal, a sua população é, na generalidade, bem instruída. 
O mais comum é os americanos saberem que Portugal é um país europeu soberano, mas têm bastantes dúvidas em relação à nossa língua. Alguns pensam que é espanhol. E o mais frequente é não saberem a magnitude dos falantes de língua Portuguesa, uma vez que muitos pensam que os brasileiros falam espanhol. Mas não os condeno. Os Portugueses sabem o nome de todos os 50 estados Americanos ou a sua localização? Só para atravessar os EUA de costa a costa são 6 horas de avião.

Já tiveste oportunidade de fazer a famosa viagem de carro “costa a costa”? Alguma viagem que tenhas feito nos EUA e gostado particularmente?

Ainda não tive tempo, mas será realizada.
A coisa mais parecida a isso foi ter voado com amigos para San Diego e depois seguido de carro para Los Angeles, Las Vegas e, por fim, San Francisco, ao longo de duas semanas.

Como vês Esposende a partir de Boston?

Uma cidade pequena e calma com o necessário para viver, criar família e trabalhar nas cidades maiores das redondezas. Gostei de ver o investimento na marginal e tenho a sensação de cada vez que volto a Esposende ver mais gente a praticar actividades ao ar livre.
  
Que medida prática/funcional aí existente achas que poderia muito bem vir a ser aplicada em Esposende?

Embora a anos-luz de muitos países nórdicos, Boston tem investido em ciclovias e muita gente utiliza a bicicleta como veículo de transporte, incluindo eu, portanto as ciclovias deveriam ser alargadas à maioria das freguesias do concelho de Esposende. E por fim, de uma vez por todas, devia-se andar com o Parque da cidade para a frente.

Quem visita Boston, que lugar e que prato não pode perder?

Qualquer pessoa que aprecie minimamente o Outono devia ter a possibilidade de passar um final de tarde no “Boston Common”. Eternizado no filme o Bom Rebelde (“Good Will Hunting”) é um parque absolutamente grandioso. Quem visita Boston não pode perder um “Clam chowder” – uma sopa de ameijoas característica de Boston.
Imagem: Boston Common

Para além da família e amigos, o que sentes mais saudades de Esposende?

Estranho provavelmente para muitos, aqueles de quem mais senti falta sempre foram os meus cães. Tentei tantas vezes…mas nunca consegui falar com eles, mas entendíamo-nos bem de qualquer forma. Às vezes tenho mais dificuldades em conseguir perceber alguns investigadores em Harvard e não é um problema linguístico.
Tenho uma saudade danada dos Verões em Fão e das noites do Pacha. E por fim, o pôr-do-sol de Ofir.

Ao voltar a Esposende qual o lugar que te apetece sempre voltar?

Naturalmente, à restinga de Ofir.


Esposendenses pelo Mundo” é uma rubrica que pretende dar a conhecer os “esposendenses” espalhados pelos 4 cantos do mundo, partilhando as suas impressões sobre os novos lugares que habitam, os povos e culturas com quem convivem, e o seu olhar sobre a terra que os viu nascer e crescer.
Se conheces algum “esposendense” espalhado pelo mundo, ou se és tu próprio um “esposendense” espalhado pelo mundo, e gostasses de ver a sua/tua história aqui partilhada, escreve para largodospeixinhos@gmail.com, com indicação do nome, país e contacto de e-mail ou FB.  

Sem comentários:

Enviar um comentário