sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Esposendenses pelo Mundo (1)

João Eiras, 29 anos, natural de Curvos, é engenheiro informático e vive em Oslo, Noruega, onde trabalha.

Em terra de vikings, fiordes e do bacalhau favorito de todos os portugueses, fomos falar com este jovem esposendense espalhado pelo mundo, e conhecer um pouco da sua história e das suas impressões sobre a Noruega e Portugal, nunca esquecendo, claro está, a terra que o viu nascer e crescer.

Imagem: João Eiras, Bergen

Há quanto tempo estás na Noruega?

Vim para a Noruega em Fevereiro de 2009. Entretanto, estive um ano entre 2010 e 2011 a viver em Lisboa também. Mas como a situação em Portugal azedou, decidi voltar para a Noruega em 2011.

Qual foi a primeira coisa que impressionou no novo país ao cabo dos primeiros dias?

Caíram 50 cms de neve no meio da cidade, nas semanas depois de ter chegado, e o país e a cidade continuaram a funcionar na normalidade.
Mal cheguei à empresa, reparei que o ambiente era muito informal. Cada um podia discutir qualquer tópico com o chefe de equipa ou até com o CEO. Algo impensável no meu primeiro emprego.
É tudo demasiado caro: uma refeição típica com prato sem bebida são 20€, bilhete diário para os transportes públicos 9€, renda de casa (T1, 40m2) 1.000€. Mas, em contrapartida, o salário líquido é 4 vezes o que recebia em Portugal.
Pouco trânsito na cidade. Os principais engarrafamentos acontecem nas vias rápidas à volta da cidade.

Aprender uma nova língua foi necessário, ou o inglês serve para tudo? 

A minha empresa é do ramo da tecnologia, e como temos que trabalhar diariamente com colegas de muitas nacionalidades, em diferentes escritórios espalhados pelo mundo, a língua de trabalho é o inglês. Este é o caso para a maior parte das empresas no ramo da engenharia e petróleo. 
Com inglês qualquer um se dá bem por cá. A maior parte dos Noruegueses até tem prazer em praticar o seu inglês. 
Mas para trabalhar noutros segmentos de mercado, tipicamente o empregador pede proficiência em norueguês.

Como definirias o teu «norueguês»?

Consigo ter uma conversa básica ou perceber o conteúdo dos jornais. 
Mas como no trabalho não se pratica muito, e apenas tenho duas horas de aulas por semana, este tem evoluído muito devagar.

Como é que caracterizas o típico «norueguês», desde o colega de trabalho passando pela pessoa que te atende num café, supermercado ou serviço público?

Falando puramente em estereótipos:
Há muito respeito e tolerância pelas diferenças culturais e sociais. Isto não é uma terra de senhor doutores. Aqui quem serve à mesa é tão respeitado como quem dirige uma empresa ou um político.
São pacíficos e menos emocionais do que o típico português. É um país muito pacífico, com baixíssimas taxas de criminalidade.
São bastante individualistas, não são muito dados a grandes confianças ou amizades mal conhecem uma pessoa.
São bastante emancipados e individualistas. É normal uma pessoa aqui com 18 anos ir viver sozinha ou com o/a companheiro/a, mesmo que seja um estudante sem rendimentos.
A dependência dos pais após os 18 anos é visto como um estigma.
Há traços de nacionalismo. Para um norueguês, algo estrangeiro é visto com alguma desconfiança (até ao ponto em que fica entranhado), enquanto que, por exemplo, na Suécia, algo estrangeiro (“usvensk”) é visto como exótico e interessante.
São pessoas muito competitivas no desporto.
Em Portugal, ser-se mãe-galinha é normal: estão sempre super preocupadas com que a criança não se suje ou apanhe frio. Aqui, estão -10C e estão as crianças todas no infantário ou no parque a atirar neve umas às outras. Noutras alturas, andam pelo parque, a trepar árvores, rastejar pela erva ou pelo chão, a ganhar imunidades… com as mães ao lado. Se a criança cair e se aleijar, não há problema. É assim que a criança aprende e conhece os seus limites.

Inverno na Noruega, primeiro estranha-se e depois entranha-se?

Para uns entranha-se, para outros repudia-se. 
Os noruegueses têm um ditado, repetido ad nauseum: “Det fines ikke dårlig vær, bare dårlig klær” ou seja “Não há mau tempo, há má roupa”. Para muitos isso é um modo de vida. 
Estejam -20C, chuva, vento, frio, sol ou calor, ao meio da tarde vê-se demasiada gente nos parques e na rua a fazer o seu jogging ou andar de bicicleta. 
No Inverno, altura da neve, vai-se ao ski. Para quem estranha o inverno, fazer desportos de inverno é a forma de se acomodar às condições. E apanhando o jeito, é algo muito divertido.

Como é que se ocupam os tempos livres na Noruega?

Com muito desporto. Os noruegueses são pessoas muito competitivas para as actividades do corpo. 
Ao contrário de Portugal, a maior parte do território norueguês é composto de manchas florestais sem limite à vista, e as cidades são limitadas por linhas verdes. Não há construção clandestina. Ou seja, o alpinismo, a canoagem, o acampar, o usufruto da natureza ou andar com o seu barco pessoal nos fiordes é algo grande por aqui. 
No Inverno, há os desportos de Inverno. Não é por acaso que a Noruega, sendo um país com apenas 5 milhões de habitantes, tem sempre um excelente desempenho nos Olímpicos de Inverno.
Em Portugal, o consumo de álcool faz parte do palato, e é algo que se faz moderadamente ao longo da semana. Na Noruega, o fim de semana é o campeonato dos tesourinhos deprimentes. Por vezes pode ser difícil encontrar alguém sóbrio depois da meia noite num sábado. 
Sair ao fim do dia e ir ao restaurante aqui é algo que não é comum. Talvez algo que a média das pessoas faça uma vez por mês.
Aqui não se vive para trabalhar. As pessoas tiram bastante tempo para si e para a sua família. A licença materna é mais de um ano a dividir entre ambos os progenitores.
A instrução média aqui é elevada. A maior parte das pessoas viaja, lê livros, educa-se.

Para além de Oslo, há mais algum lugar (ou lugares) da Noruega que conheças e tenhas gostado particularmente?

Visitei Bergen, a segunda maior cidade. Muito bonita. 
Fiz também um passeio pelos fiordes na costa oeste, a paisagem típica que se vê nos postais da Noruega. E claro no Inverno, ir para estâncias de ski.
Imagem: docas de Oslo

Quais são as principais diferenças que notas entre Portugal e a Noruega?

Há uma forte cultura democrática, muito mais do que em Portugal. 
Em Portugal, exige-se aos políticos do costume que resolvam os problemas que criaram. Na Noruega, há um maior envolvimento político e mais participação cívica. 
As pessoas são mais consequentes com as suas acções e por isso exploram menos os buracos no sistema. Daí que haja mais transparência e menos corrupção. Também há mais cultura do compromisso e menos cultura do conflito. O chico-espertismo português aqui é contraposto com muita ingenuidade.
As cidades são planeadas para os peões, não para os carros.
Há um grande respeito e usufruto da natureza. 
A mim incomoda-me que não haja um pedaço de bosque contínuo e de acesso publico na zona de Esposende e arredores em que possa fazer uma corrida ou andar de bicicleta uns 50 kms sem ver um edifício ou estrada de alcatrão ou paralelo. Para isso é preciso ir para o Gerês. 
Aqui na Noruega há a lei "allemannsrett" que diz que qualquer um se pode deslocar em qualquer pedaço de terra não desenvolvida sem pedir permissão prévia ao dono. 
Em Portugal há uma grande cultura de romaria, de gastronomia. 
Aqui o único dia verdadeiramente festivo é o 17 de Maio (o dia da constituição).
Como a Noruega até aos anos 60 era um país bastante pobre (começaram a exportar petróleo nos anos 70), não houve um influxo anterior de influências gastronómicas e produtos de outros países. Para além disso o clima não ajuda a explorar a terra muito bem. 
Vindo para cá, ou para a Suécia, vê-se claramente as diferenças étnicas. Pessoas em média mais altas, mais atléticas, cabelos loiros ou castanho claro, olhos azuis brilhantes, aspecto cuidado.

Bacalhau, Ronaldo e Mourinho: são apenas os únicos conhecimentos dos noruegueses de Portugal ou há algo mais para além disso?

Do que vejo, os noruegueses não são apegados ao futebol como os portugueses. Eles têm o campeonato nacional deles que decorre durante o verão. Por isso não é de estranhar que muitos não conheçam esses nomes. 
Todos eles já ouviram falar de “bacalao” (a versão espanhola) mas por cá ninguém come bacalhau seco e salgado (“klippfisk”). É todo para exportar. 
Talvez o que eles mais associam a Portugal são as praias, o sol a brilhar e, para muitos, as recordações ou histórias de visitas a Lisboa ou ao Porto. 
Quando eles pensam em imigrantes de países em crise, pensam principalmente em espanhois, gregos e italianos. Curiosamente os portugueses são melhor vistos que outras nacionalidades do sul da europa, talvez por serem mais desconhecidos.

Como é que se olha para Esposende a partir da Noruega?

Esposende, sendo uma cidade bastante pequena e pacata, para mim acaba por ser bastante semelhante com o ambiente em Oslo. 
Oslo tem 630 mil habitantes, que à escala das outras capitais europeias é muito pequeno.  Começando a frequentar determinados espaços, as pessoas tornam-se rapidamente reconhecíveis. 
A ligação que sentia em Esposende à natureza (ir à praia ou circular pelas zonas florestais), também a sinto cá. 
É muito fácil deslocar-me para o bosque nos arredores da cidade, e os parques com relva fresca abundam, onde tipicamente se vê demasiada gente a apanhar banhos de sol quando o tempo permite ou a fazer o seu piquenique. Mas as parecenças acabam aí. 
Embora Esposende seja a localidade de onde sou natural, não vejo que algum dia me dê as oportunidades profissionais que preciso. Embora os planos para ficar em Oslo não sejam definitivos, Esposende será muito provavelmente para mim apenas um ponto de passagem ou de descanso. 
Para mim, Oslo consegue combinar a tranquilidade dum sítio pacato, com o buliço duma cidade. Dá para ter os dois mundos perto um do outro.

À sua escala, que prática(s) ou medida (s) de bom que encontras na Noruega e que achas que poderia muito bem vir a ser aplicada em Esposende?

Lições específicas para Esposende, não vejo nada em específico. Comparando com as cidades norueguesas de dimensão semelhante, diria que Esposende tem muito mais a oferecer. 
Talvez gostasse de ver mais eventos desportivos abertos ao público em Esposende. São várias as corridas (e outros eventos) que se realizam em Oslo e arredores ao longo do ano. Mas, actualmente estou distante e por isso não sei até que ponto esta situação tem melhorado. 
Lições para o país inteiro, tiram-se sim. Poderia recordar os aspetos negativos já referidos na pergunta sobre as diferenças entre Portugal e a Noruega, em especial com a parte de não se fazer uma cidade para os carros.

Quem visitar a Noruega, que lugar e que prato não pode perder?

Comparado com Portugal, este país tem pouco para oferecer em termos de gastronomia. É bastante baseada em produtos de origem animal. 
As iguarias que se calhar podem ser interessantes são alguns enchidos e carne seca que se come pelo natal, hamburgers de rena ou alce, que se encontram nos mercados dos agricultores, ou claro, o salmão fumado. Não é por acaso que a Noruega é o país com o maior consumo de pizza congelada per capita
Indo para as cidades com tradição piscatória junto à costa ainda se encontram bons restaurantes de peixe e/ou marisco.
Comparando Portugal com o centro da Europa, principalmente a Bélgica, tenho que afirmar que demasiados portugueses não sabem o que é cerveja (por muito que elogiem a Super Bock ou a Sagres), da mesma forma que os nórdicos não sabem o que é vinho. 
Existem vários bares em Oslo com o seu próprio fabrico de cerveja, onde se pode encontrar de todo o tipo de variedades, cores e sabores.

Ao regressar a Esposende qual é aquele lugar a que apetece sempre voltar?

Não sou muito apegado à terra. Sou mais apegado às pessoas ou cultura. Visitar a família é sempre uma prioridade, mas se há algo que me dá bastante prazer é fazer as minhas corridas pelas freguesias à volta de Curvos, ou ir comer uma clarinha (ou duas). 
Claro, também tento tirar uns dias para visitar conhecidos ao Porto ou a Lisboa, ou aproveitar eventos que estejam a acontecer na altura, como festivais ou corridas.


Esposendenses pelo Mundo” é uma rubrica que pretende dar a conhecer os “esposendenses” espalhados pelos 4 cantos do mundo, partilhando as suas impressões sobre os novos lugares que habitam, os povos e culturas com quem convivem, e o seu olhar sobre a terra que os viu nascer e crescer.

Se conheces algum “esposendense” espalhado pelo mundo, ou se és tu próprio um “esposendense” espalhado pelo mundo, e gostasses de ver a sua/tua história aqui partilhada, escreve para largodospeixinhos@gmail.com, com indicação do nome, país e contacto de e-mail ou FB.  

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