quinta-feira, 5 de maio de 2016

Tirana, da torreta à Juventus.

Aterrando em Tirana, a história recente e mais longínqua da Albânia entra-nos pelos olhos em quase tudo o que vemos.

Como é apanágio dos Balcãs, aqui a História não é história mas sim uma forma de estar na vida.

A Albânia foi o país mais isolado do antigo bloco de leste e isso reflete-se.

Durante os anos 50, Enver Hoxha, o homem que liderou a Albânia durante 41 anos, corta relações com a Jugoslávia de Tito e nos anos 60 segue-se a União Soviética, e mais tarde a China, isolando por completo o país por mais de 30 anos, algo que ainda hoje deixa marcas visíveis no mesmo.
Desengane-se quem pensa que se encontram sinais do período do comunismo. Enver Hoxha deixou uma marca de quase ódio na sociedade e hoje é quase impossível encontrar sinais do seu legado, ao contrário do que vi em Belgrado.
 
Este isolamento deu lugar a um síndrome de exaltamento nacionalista e o regresso de velhos fantasmas, resultando, entre outras coisas, na proibição por completo de qualquer atividade religiosa, sendo utilizada a máxima "a única religião é o Albanismo", e numa preocupação constante com o exterior e as forças exteriores que poderiam invadir a Albânia.

O símbolo maior desta preocupação com as invasões exteriores são as torretas de defesa.

Pequenas construções em betão armado que foram construídas com o propósito de servirem de pontos de defesa em caso de invasão. Foram construídas cerca de 700.000 e estão distribuídas em todos os pontos do país. Desde a costa às montanhas, passando por cidades e por aldeias e estações de correios, elas são omnipresentes e marcam bem o sentimento que era suposto passarem, o alerta constante. 

Podemo-nos rir das torretas e desta aparente estupidez, mas o sentimento de medo que nos querem incutir com o terrorismo são as torretas modernas.

Se não viu uma torreta, então é porque não foi à Albânia.

Mas a ponte histórica não se faz apenas pelas torretas.

Tendo sido o único país europeu invadido pela Itália de Mussolini, a Albânia tem hoje uma relação de dependência com a Itália muito pouco usual no panorama internacional. Quase tudo o que é importado vem de Itália, desde os produtos de supermercado até à paixão futebolística. Muitas das zonas poderiam ter sido retiradas de Parma ou Lecce.

Andando pela rua vemos quase todas as cadeias de supermercado italianas, nos cafés as televisões passam os canais italianos, nos restaurantes as ementas são o "verdadeiro italiano" e a paixão pela Juventus e pelo AC Milan é quase tão grande como a nossa paixão pelo Benfica, Porto ou Sporting, chegando ao ponto dos telejornais interromperem a emissão para anunciarem que a Juventus tinha ganho o scudetto.

Mas esta dependência não chega aos carros, outra grande ponte histórica da Albânia.

Até 1991, na Albânia, a posse de carros era apenas reservada a alguns elementos do governo, táxis e transporte de mercadorias. Aquando da queda do regime houve uma avalanche de Mercedes usados que já ninguém queria na Alemanha e só apenas em 1996 foram criadas as  primeiras escolas de condução e a polícia de trânsito. Não será de estranhar que a condução seja ainda muito criativa.

As estradas são um reflexo do país e, aliadas aos caminhos-de-ferro, o sistema de vias de comunicação albanesas são o sonho tornado realidade de uma determinada classe de opinadores portugueses com apenas 3 linhas de caminhos-de-ferro e 20 km's de autoestradas.
O resultado é demorar 3 horas para fazer 100 km's e assistir a mais acidentes num dia do que em meses em Portugal, é ter autoestradas a acabar em caminhos de terra abruptamente, autoestradas onde as crianças brincam e pedaços de terra que parece que estão prestes a aluir, caminhos-de-ferro desativados que servem como passeios, existem oficinas de reparação, loja de pneus e lavagens na hora ao longo da estrada, ainda existem postos de gasolina com bombas vindas de Itália e onde o preço está em liras e onde se vê o preço em liras.
Mas ao lado das más estradas vemos belas paisagens, um país de montanhas e de nascentes quase inviolado e com pouca alteração humana. Na costa vemos as praias que hoje em dia já atraem milhões de turistas que procuram férias ao sol e onde veremos a florescer o turismo de massas.
Mas apesar do que se pensa os albaneses não são sorumbáticos.
É impressionante a quantidade de pessoas que passeiam nas ruas após as 21:00 da noite, aproveitando o fecho ao trânsito rodoviário das principais praças da cidade onde se vêem jovens, menos jovens, corredores, músicos improvisados, etc.

Passando pelas ruas da moda vemos os bares e cafés cheios como estamos habituados a um fim-de-semana e como se uma campainha chamasse a partir das 23:30 quase todos desaparecem parecendo que a cidade adormece calmamente. A Liga dos Campeões do futebol é uma febre, sendo normal os bares organizarem festas para verem os jogos onde nem sequer participam equipas albanesas.
A estrada que sai de Tirana e passa por Elbasan, e o seu terrífico estádio, chega a Ohrid na Macedónia, e esta cidade merece uma chamada de atenção.
Ohrid é banhada por um lago e está rodeada por montanhas ainda com neve no seu topo. Olhando para ela poderíamos pensar que estávamos em Como ou num qualquer lago suíço. A cidade era conhecida como a Jerusalém dos Balcãs, onde existiam mais de 200 igrejas e onde nasceram os primeiros grandes tempos ortodoxos.
Ohrid tem história, tem calma, tem um ambiente de cidade pequena, uma espécie de Vilamoura da Macedónia, com muitas excursões de turcos e chineses a polvilharem as ruas que se enchem de comércio, recordações e os bons restaurantes e têm um aeródromo que serve para receber vôos no Verão. 

Tal como em Tirana, também aqui a vida noturna à semana é impressionante para uma cidade que tem 30.000 pessoas. Cafés e bares cheios até às 23:30 e em seguida quase todos desaparecem.
Admito que tenho vontade de voltar a Ohrid e ficar mais tempo.
Não é apenas a moeda que separa a Albânia da Macedónia.
Na Macedónia o legado da Jugoslávia existe, as estradas são melhores e as casas mais organizadas e fala-se algo próximo do russo e a presença ortodoxa é muito maior.
A Macedónia tem a escola jugoslava, os restaurantes são melhores, o serviço mais atencioso, as ruas têm nomes dos heróis do tempo da Jugoslávia e as raparigas são mais giras e vestem-se de uma forma mais vistosa.
Tirana ficou lá atrás, não sei se voltarei mas sei que da Albânia ouvirei falar e que daqui a alguns anos ouvirei falar dela e das suas praias. Sinceramente gostei da Albânia, sei que as paisagens e a cultura cativam qualquer um, mas sei que as idiossincrasias de um país ainda fechado tornam a visita algo trabalhosa e isso ainda afasta muitos.
Quanto a Ohrid, recomendo vivamente a quem quer um descanso num sítio calmo. 

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